Uma ideia nojenta e asquerosa, mas que funciona muito bem
Até hoje, larvas de moscas são utilizadas para tratamento de feridas que não cicatrizam
A Terapia Larval (TL) é o uso medicinal de vermes vivos (larvas de moscas) para a limpeza de feridas que não cicatrizam, utilizada até hoje, com o objetivo de eliminar apenas o tecido morto preservando totalmente a parte viva.
Conhecida também como Desbridamento Biológico, larvas de moscas desinfetadas são aplicadas à ferida em curativos especiais com três objetivos: limpar a ferida removendo tecidos mortos e infectados (desbridamento), desinfetar a ferida (matam as bactérias) e acelerar a taxa de cicatrização.
História da Terapia Larval
As larvas são conhecidas há séculos por sua ajuda na cura de feridas. Muitos cirurgiões militares notaram que os soldados cujas feridas ficaram infestadas de vermes se saíram melhor – e tinham uma taxa de mortalidade muito menor – do que soldados com ferimentos semelhantes não infestados.
Uma das primeiras referências médicas europeias às larvas aparece em 1491 no Hortus Sanitatus, um texto médico alemão. Nos anos 1500, Ambroise Pare, um açougueiro-cirurgião, observou que as larvas ajudavam na cura de feridas de guerra.
Há indícios de que, em meados da década de 1800, durante a Guerra Civil Estadunidense, vermes foram propositadamente introduzidos em feridas por médicos que notaram que as larvas tendiam a curar melhor e mais rapidamente os ferimentos. Zacharias, um oficial médico confederado na Guerra Civil, relatou que ele usou as larvas da mosca verde para evitar a gangrena em soldados feridos.

O reconhecimento da ciência
Mas foi William Baer (1872-1931), Professor Clínico de Cirurgia Ortopédica da Escola de Medicina Johns Hopkins, em Maryland, no final da década de 1920, que primeiro estudou, publicou e tratou uma série considerável de pacientes em cujas feridas ele aplicou vermes.

Durante a Primeira Guerra Mundial, ele observara soldados cujas feridas estavam infestadas de vermes, mas limpas e curativas. Depois que ele voltou da guerra, usou larvas para tratar 4 crianças com osteomielite intratável com certo sucesso. Ele continuou a usar a terapia de desbridamento da larva, mas alguns pacientes desenvolveram tétano e após tentativa e erro, ele encontrou uma maneira de esterilizar os óvulos.
Durante as décadas de 1930 e 1940 e até a década de 50, a terapia de desbridamento com larvas ganhou aceitação e foi usada de maneira bastante rotineira. As larvas foram usadas extensivamente durante a Segunda Guerra Mundial. Laboratórios produziram e distribuíram um grande número de larvas, no entanto, com a descoberta da sulfa, penicilina e outros antibióticos para tratar a infecção, as larvas caíram em desuso.
A terapia com larvas foi usada ocasionalmente durante as décadas de 1970 e 1980, mas apenas quando antibióticos, cirurgia e tratamento de feridas modernas não conseguiram controlar o avanço da ferida.
Terapia Larval nos dias de hoje
Os primeiros estudos clínicos modernos sobre a terapia com larvas foram iniciados pelo Dr. Ronald A. Sherman em 1989, no Veterans Affairs Medical Center em Long Beach, Califórnia, e na Universidade da Califórnia, em Irvine. Ele descobriu que as larvas desbridaram a maioria das feridas necróticas em uma semana, com melhores taxas de cicatrização do que o tratamento convencional.

Em meados da década de 1990, o interesse se espalhou para o Reino Unido, Europa e Israel, onde hoje a terapia de desbridamento de larvas é mais comum do que nos Estados Unidos. Somente no Reino Unido, estima-se que a terapia de desbridamento com larvas economiza o equivalente a US$ 1 bilhão anualmente em custos de assistência médica. A terapia de desbridamento de larvas foi reintroduzida na Austrália e cada vez mais médicos australianos estão solicitando larvas para terapia.
Em janeiro de 2004, os vermes tornaram-se os primeiros animais vivos a ganhar a aprovação da Administração de Alimentos e Medicamentos dos Estados Unidos (FDA) como um dispositivo médico para limpar feridas.
Estima-se que atualmente a prática da TL envolva mais de 3.000 médicos, clínicas e hospitais em mais de 24 países. Em 2008, aproximadamente 50.000 tratamentos foram administrados a mais de 10.000 pacientes. Especialmente agora, com o advento das bactérias resistentes aos antibióticos, a terapia com larvas parece cada vez mais promissora.
O que podemos aprender
A busca pela solução de problemas complexos exige uma mente aberta
- Não há limites para solução de problemas, desde que não seja prejudicial a qualquer outro processo
- Muitas vezes ideias antigas continuam funcionando melhor que as mais modernas
- A Terapia Larval provavelmente surgiu há centenas de anos como fruto da observação e não de pesquisas, ou seja, muitas vezes a solução dos problemas estão bem diante de nossos olhos. Basta prestarmos atenção.
- Porém, a simples observação não é suficiente. Uma ideia nunca nasce pronta. A observação ajuda apenas a encontrar um caminho promissor. A real solução dependerá da capacidade de quem se propuser a encontrá-la.
- Mesmo num mundo de maravilhas tecnológicas, não se deve ignorar a capacidade da natureza de colaborar na solução de problemas.
- Não podemos deixar que o preconceito impeça a busca pela solução de um problema. É preciso ter a mente aberta.
- Ideias podem ter sido descartadas há muitos anos, o que não quer dizer que não possam voltar a ser aplicadas.