Só a necessidade supera o medo de criar
Existe um mecanismo de sobrevivência que libera nosso cérebro para pensar em alternativas nunca imaginadas
Existem vários truques que podemos utilizar para gerar novas ideias. Alguns são diametralmente opostos como vou relatar aqui. Ao mesmo tempo que circunstâncias favoráveis podem dar uma alavancada no processo criativo, posso afirmar com tranquilidade que situações estressantes poderão igualmente funcionar de maneira eficaz.
Você já deve ter experimentado uma situação em que as coisas começaram a degringolar e você, mesmo descendo a ladeira, continuou insistindo nas mesmas estratégias e táticas utilizadas até então, acreditando que por alguma mágica a espiral descendente irá dar uma guinada e voltar a funcionar como antes. Você adia o inevitável até o limite, mas só quando a água bate na bunda é que você decide tomar a decisão de tentar “alguma coisa diferente”.

Isso acontece por um motivo muito simples: nosso instinto animal. Os animais irracionais são exclusivamente reativos. São levados a novas alternativas para solução de seus problemas única e exclusivamente quando diante de uma situação inusitada para eles, ou seja, só alteram seu comportamento mediante a alguma novidade, quando a necessidade é clara e evidente. O medo do novo é recorrente em todos os animais, nós incluídos. Mas a regra fundamental da Natureza é que apenas a necessidade supera o medo.
Só mudamos quando o desconforto for maior que o medo da mudança
Nós desenvolvemos nosso cérebro exponencialmente e, além de reativos, nos tornamos também ativos. Olhamos o mundo com perspectiva, compreendemos causa e feito, prevemos cenários, provocamos mudanças por vontade própria, etc. Porém, nossa origem animal mantém o mecanismo original de reagir a partir da percepção de que nossa integridade esteja em risco. É o instinto de sobrevivência que nos impulsiona a tomar medidas extremas. Como só a necessidade supera o medo de tentar o novo, nos especializamos em encontrar necessidades ou até mesmo inventá-las.
Onde há guerra, há inovação
Historicamente, os períodos de conflitos bélicos são os mais prolíficos na produção de novas ideias. E como justamente temos a capacidade de antecipar cenários, mesmo em tempos de paz, os governos investem pesado em pesquisas com fins bélicos que acabam gerando produtos posteriormente utilizados em grande escala pela população, como a internet, o forno de micro-ondas, o teflon, o leite condensado e até o chocolate M&M’s. A medicina e a logística também evoluem acentuadamente em razão da experiência adquirida pela necessidade. Não vou entrar no mérito se as guerras são necessárias ou não, mas elas são responsáveis, pelo menos conceitualmente, em estimular nosso instinto de sobrevivência.

O cansaço diminui o filtro
Dentro dessa mesma lógica, o cansaço também pode ser um estado favorável ao processo criativo. Lorne Michaels, criador e produtor do Saturday Night Live, há mais de 40 anos no ar nos Estados Unidos, uma vez disse: “Há um mantra que eu tenho, que é ‘a fadiga é sua amiga’. Há um momento em que, pelo menos do meu ponto de vista, a faculdade crítica acaba bloqueando a faculdade criativa. Por isso, quando você está cansado, crie assim mesmo, porque todos os tipos de ideias diferentes surgirão neste momento.” Michaels, que desenvolveu talentos como Will Ferrell, Chris Farley, Eddie Murphy e centenas de outros, diz que quando os criativos estão cansados, perdem o filtro. E, completa, “alguém acaba tomando um caminho que normalmente jamais teria tentado.” É a necessidade superando o medo.
