ProXXIma Parada

Democracia Digital, ou, trocando votos por likes

Cada vez que o cidadão ficar feliz com o comportamento de seu representante, clicará em #parabéns, uma espécie de curtir do Votoíter. Porém, diferente das redes sociais normais, teremos também o descurtir que se chamará #seuidiota

Assistindo ao show de horrores do mundo político atual, me ocorreu que estamos precisando de um novo modelo de representação popular. Um novo sistema que altere o estado de coisas e a pouca vergonha que se transformou o exercício da política em nosso país. Do jeito que está, a corrupção vai continuar, o fisiologismo, as mentiras, os conchavos, os acordos espúrios, enfim, a escória vai continuar com suas bundas gordas acomodadas confortavelmente nos palácios e congressos, determinando os rumos (ou a falta deles) de nosso país. A esperança venceu o medo mas acabou tomando uma surra da infâmia.

Modestamente, criei um modelo que vai acabar com a bandalheira e botar a corja dentro dos trilhos, ou atrás das grades. É tudo muito simples, e tem como base a cultura bem-sucedida e já consagrada das redes sociais.

O primeiro passo é criar uma plataforma que seja responsável por todo o controle do novo modelo de representação: vamos chamá-la provisoriamente de Votoíter, uma rede social (ou política) que funcionará da seguinte maneira:

Todos os cidadãos brasileiros com direito a voto deverão ter um perfil no Votoíter. E aquele que quiser se candidatar a qualquer cargo eletivo deverá também criar sua página. Os servidores da plataforma estarão diretamente ligados à Justiça, à Polícia Federal, à Receita e o Serasa. Quem não estiver zerado nestas quatro instâncias não conseguirá nem criar a página. É a Big Data a serviço da democracia. Começamos aí já com uma diferença pois hoje em dia primeiro o sujeito se candidata e depois vão ver se ele pode ou não. No Votoíter, ou o cara é ficha limpíssima ou tá fora. Como a educação manda, antes de sentar-se à mesa é preciso estar com as mãos limpas.

Segundo passo: preencher a página com sua história, sua filosofia de vida e, principalmente, suas promessas de campanha. Feito isso o Votoíter automaticamente considerará estes dados como documentos oficiais e que podem e serão usados contra ele em eventuais processos vindouros. Estas promessas poderão ser alteradas somente a cada cinco anos, tendo seu conteúdo travado por este período, impossibilitando mudanças. Quem ajoelhar vai ter que orar fervorosamente por cinco anos.

O eleitores poderão fazer doações, um crowdfunding, tudo, é claro, devidamente registrado com destaque na página do candidato, e com destaque. Cada real gasto terá sua comprovação conferida por inteligência artificial (e a Big Data de novo) e, se as contas não baterem, um centavo que seja, sua página será apagada, sem chance de reativação por mais cinco anos. Se ele estiver ocupando algum cargo político, será expurgado imediatamente. E a cadeia dependerá de investigações conduzidas por seus próprios seguidores. Se descobrirem alguma atividade mal-cheirosa, milhares de memes acabarão com a imagem do meliante.

Como já deu para perceber, nós, os eleitores, seremos as peças fundamentais no funcionamento do Votoíter. É o povo no poder. Visitaremos constantemente as páginas dos políticos para consultar as opções e escolher nossos preferidos. O Votoíter contará com um sistema inteligente de busca que auxiliará o eleitor em sua escolha. Ao preencher um formulário com as qualidades que você procura em um representante, o Votoíter lhe apresentará aqueles que percentualmente mais se encaixam em suas escolhas, como num site de namoro. Deu match, like nele.

Haverá apenas uma eleição geral, a primeira, para a implementação do Votoíter. Depois, como veremos a seguir, a substituição de mandatos será determinada pelo comportamento do político e da avaliação de seus eleitores. Nesta eleição única, o Votoíter irá registrar em seu perfil o seu voto-like. Ou seja, a partir deste momento, seu candidato estará virtualmente conectado a você enquanto estiver ocupando o cargo. Se seu candidato não foi eleito, o Votoíter lhe dará alternativas entre os escolhidos que tiverem mais semelhanças de programas e você escolherá o seu representante oficial.

A partir daí que a coisa fica interessante. O Votoíter mostrará em tempo real o comportamento e desempenho de todos os políticos que estejam ocupando cargos eletivos. Câmeras, sensores, telefones grampeados, drones e dedos-duros não sairão da cola deles. Você saberá se estão trabalhando ou não. Como se posicionaram em cada votação. Com quem fez alianças e quais são seus projetos. Saberá cada retirada de salário e verba representativa que fizerem, conhecerá seus carros (que terão GPS para sabermos onde eles estão). Além disso, o Votoíter trará vários avanços tecnológicos como o exclusivo detector de jatinho de empreiteiro.

Cada vez que o cidadão ficar feliz com o comportamento de seu representante, clicará em #parabéns, uma espécie de curtir do Votoíter. Porém, diferente das redes sociais normais, teremos também o descurtir que se chamará #seuidiota. Um anulará o outro e o saldo (político) será fundamental para a manutenção do representante no cargo que ele tanto ama e não quer largar nem se a mãe dele pedir. Sim, porque o sistema do Votoíter é estilo parlamentarista. Enquanto o sujeito estiver agradando, continua. Senão, tácale-pau. De três em três meses o representante do cidadão deverá ter um saldo político X para se manter no cargo. Caso contrário, será defenestrado sumariamente de seu gabinete (sem direito a nenhum tipo de subterfúgio para manter-se no cargo) e um suplente tomará seu lugar. A aposentadoria será proporcional ao tempo de serviço, como um pobre mortal. Eles irão odiar, mas e daí? Todo mundo já está acostumado aos haters.

O substituto será alguém com página no Votoíter e que em função de suas postagens e posicionamentos irá conquistando os eleitores e acumulando saldo político. A visitação, o alcance e o envolvimento também serão levados em consideração. Sim, nós também influenciaremos a carreira daqueles que estão sem mandato. No caso destes indivíduos, eles estarão sempre participando de uma espécie de game onde poderemos avaliar suas ideias, seu comportamento diante da crise, seus princípios, suas reações e simulações de como ele votaria sobre cada proposta real. Saberemos também de sua vida pessoal, seus movimentos financeiros, enfim, não terá como se esconder. Uma fila de postulantes ao cargo será formada em função dos #parabéns acumulados, e o primeiro colocado ocupará o cargo daquele pária com excesso de #seuidiota. Para evitar o uso de bots, fazendas de cliques e invasões de hackers russos, mais uma vez a Big Data utilizada pela inteligência artificial ficará de olho nos eleitorautas, anulando seus votos em função de qualquer comportamento suspeito.

Todas estas providências, convenhamos, não serão suficientes para garantir a qualidade dos votos. Aliás, para não deixar as coisas ainda piores, o Votoíter não oferecerá espaço para comentários, como nas outras redes sociais. E por uma razão justa. A plataforma se pretende uma ferramenta de evolução, porém, as imbecilidades inacreditáveis que singram livremente na quase totalidade dos comentários que lemos na internet, podem comprometer o sucesso do Votoíter, pois diante da barbárie intelectual nos decepcionamos de tal maneira com a raça humana, que vamos broxar totalmente, destroçando o engajamento popular.

Acredito que o Votoíter irá revolucionar a administração pública brasileira, inspirando o resto do planeta, e transformará o exercício da política em algo decente, transparente, honesto e verdadeiramente a serviço do cidadão. Existe a questão ética de Inteligência Artificial substituir o poder público, mas, na minha opinião, o risco vale a pena. Prefiro mil vezes uma Inteligência Artificial do que uma Esperteza Institucional. Tem apenas um probleminha que não consegui resolver: se não der para roubar, para conchavar, para se locupletar, dar carteirada, tentar se eternizar no poder, arrumar emprego pra toda a família, viajar no jatinho da FAB, usar cartões corporativos como se não houvesse amanhã, fazer nada na calada da noite, vender-se para quem pagar, quem vai querer se candidatar?

Artigo publicado originalmente no site Proxxima, Meio & MensagemVer aqui

Fonte
Proxxima
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Henrique Szklo

Cientista da Criatividade, nasceu em Belo Horizonte (MG), é graduado em Publicidade e Propaganda pela FAAP e pós-graduado em Neuropsicologia pela FAMEESP. Exerceu durante 18 anos a profissão de publicitário na área de criação, como redator e Diretor de Criação. Além disso é escritor, professor, designer gráfico, palestrante e palpiteiro digital. É professor do MBI da UFSCar e Publisher do Portal Mentes Criativas. Tem 8 livros publicados (humor e criatividade), é palmeirense e não-negacionista.

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