Blog do Henrique Szklo

Transformação pessoal não é coisa para preguiçosos nem covardes

A transformação real não se dá acionando uma chavinha em nosso cérebro, não é resultado de um fim-de-semana em retiros espirituais, workshops de gurus ou livros de autoajuda

É muito difícil hoje em dia encontrar alguém que esteja satisfeito com sua trajetória de vida, seja pessoal, seja profissional. É notório que a insatisfação humana não é novidade, mas enroladas em suas próprias teias, as pessoas, particularmente neste momento histórico, estão enfrentando uma avalanche de sentimentos contraditórios e maniqueístas que não há cristo que dê conta. Imagino que a polarização generalizada não é a única responsável, mas tem um papel preponderante nesta bagunça. O que é certo? O que é errado? No que eu acredito? O que é fake news?

A dificuldade de refletir com a própria cabeça dificulta muito a encontrar a saída dos mais diversos labirintos que percorremos durante nossas vidas. De uma forma geral, buscam-se critérios já estabelecidos pela sociedade, que, obviamente, não se encaixam em todas as cabeças. Os grupos sociais estabelecem uma série de regras e para que possamos fazer parte deles, precisamos respeitá-las, na maioria das vezes sem questionarmos sua validade nem se elas estão de acordo com nossa consciência pessoal. Aceitamos e pronto. Em algum momento, alguma ou algumas destas regras vão nos arrebatar, se virando contra nós, cobrando nossa total concordância, o que claramente nos causará uma dose extra de angústia e sofrimento. E o pior é que estes sentimentos de inadequação e incongruência têm razões invisíveis para nosso consciente, ficando quase impossível combate-los.

Nascemos para viver em grupo

Não podemos, entretanto, romper com todas as regras e partir para uma vida independente, onde só faremos o que der na nossa telha. O tecido social depende justamente da flexibilidade de seus membros e o equilíbrio da humanidade se constrói a partir de uma intrincada combinação de concessões de todas as partes envolvidas. O engano comum é justamente usar as regras e dogmas de nossos grupos sociais de forma literal, sem questionamento, sem promover discussões sobre sua validade e eficiência. Engolindo goela abaixo, só nos resta a desilusão de não estarmos cumprindo com a profecia que escrevemos para nós mesmos.

A transformação necessária, porém, não se dá unicamente pela vontade de mudar. A vontade é o primeiro passo do processo. Mas ninguém chega a lugar nenhum dando apenas um passo. A dificuldade está na sequência da caminhada, que provoca um sem-número de sentimentos desconfortáveis a cada centímetro de avanço. Se não houver a consciência plena da necessidade premente de mudança, aliada à força e à coragem de enfrentar os desafios, o desconforto será um obstáculo intransponível. Nosso instinto de sobrevivência nos fará acostumarmos com o nosso estado original, encontrando – ou inventando – justificativas para o refugo.

Transformação ilusória

A humanidade foi invadida por vendedores de transformação instantânea. As redes sociais estão abarrotadas de mensagens prometendo riqueza, sucesso e criatividade num estalar de dedos. Eles só proliferam porque tem muita gente que acredita e os sustenta, estes falsos profetas. Eu sei. É melhor procurar o tesouro numa campina clara e florida e não em uma caverna escura e úmida. Porém, os tesouros, se existirem, dificilmente se mostram à luz do dia.

A transformação real não se dá acionando uma chavinha em nosso cérebro, não é resultado de um fim-de-semana em retiros espirituais, workshops de gurus ou livros de autoajuda. A mudança de nossa programação mental é cognitiva, portanto depende de processo, de experiência, de tempo. É difícil, dá trabalho, é doloroso (toda novidade é). Ficamos sem chão, até porque o chão que conhecíamos não nos serve mais. Voltamos a ser crianças, tendo de aprender tudo de novo, começando pelo mais básico. Uma mistura de fascinação e medo do desconhecido. A transformação é um investimento sem garantias. O retorno, se existir, só será sentido tempos depois, quando nos acostumarmos com a nova realidade. Joseph Campbell já dizia: “A vida é uma ópera maravilhosa. Só que dói”. Se a vida é assim, é desperdício de tempo e energia lutar contra. Precisamos nos adaptar. Não por desencanto. Por inteligência.

Mas se é tão difícil e doloroso se transformar, por que se submeter a este sacrifício? Se você não sabe a resposta, é melhor não se incomodar com isso e seguir com sua vida.

Só o conhecimento diminui o medo

Existem muitas formas de buscar a transformação real, até porque cada um tem sua configuração própria e reage diferente às diferentes situações. Só posso sugerir uma que eu conheço e utilizo. Até hoje eu não alcancei o nirvana, mas provavelmente não é este o meu desejo profundo. O que eu tenho conquistado é uma maneira de lidar com meus monstros internos de forma mais assertiva. Olhando direto em seus olhos sem medo de que eles me destruam. Sem me deixar assustar com sua feiura e repugnância. Saber de onde vieram e porque estão ali. Entender sua existência e até sua importância na condução de minha vida. Tudo fruto de minha obsessão pela compreensão holística de mim mesmo. O conhecimento promovido pela reflexão honesta acalma e nos deixa mais preparados para os enfrentamentos psicológicos necessários. É o que chamo de Círculo Criativo, ou seja, a transformação pela criatividade.

Pensar com a própria cabeça

Não quer dizer que precisemos ser revolucionários, criarmos uma nova ordem, uma nova linha filosófica, nada disso. Significa refletirmos sobre assuntos relevantes de maneira profunda e honesta, tentando encontrar significados, razões e alternativas que estejam mais de acordo com nossa consciência pessoal e nossa verdadeira forma de pensar. De uma maneira mais poética, poderia dizer, encontrar a nossa verdade. Ou, citando novamente o mestre Joseph Campbell, “Following our bliss”.

Questionar a tudo e a todos

Questionar não é necessariamente criticar. Questionar também é buscar evolução. É a insatisfação natural que todo ser humano carrega, responsável direta por nossa evolução como espécie e sociedade, bem como das ferramentas – tecnológicas ou não – que temos criado ao longo de milênios em busca de uma vida mais confortável. Nosso sistema educacional esqueceu o que os filósofos gregos já sabiam. Questionar é o melhor jeito de aprender. Questionar é o melhor jeito de avançar. Aceitar sem reflexão é preguiça mental. Ou covardia.

Criar novas realidades

O livre-pensar estimula o questionamento e abre caminho para a criatividade. Somos capazes de criar justamente porque estamos insatisfeitos, porque percebemos que o status atual não é suficiente, não nos preenche, não nos ilumina o suficiente. Provavelmente nunca atingiremos este estado, mas a busca por ele nos faz avançar. É a Utopia Criativa. Sem ela, estaríamos provavelmente estagnados na história, pulando de árvore em árvore, vivendo em cavernas, nômades grunhindo uns com os outros, sendo apenas mais uma espécie dentre tantas outras totalmente a mercê das circunstâncias, e, portanto, jamais alcançando o topo da cadeia alimentar que tanto nos orgulhamos de ocupar.

Acredito que essa sequência de entendimentos da vida podem efetivamente promover transformação. Não é uma regra, claro. É a sombra de uma sombra de esperança. O que não se pode, a meu ver, é aceitar o que o destino, a providência – ou como se queira chamar – nos reservam, porque nem a providência, nem o destino vão olhar para cada um de nós e oferecer aquilo que desejamos. Somos poeiras cósmicas. E, como tal, vivemos ao sabor do vento inclemente. E por não termos a menor chance de controlar o vento, nos cabe apenas encontrar, todos os dias, maneiras de flutuar suavemente a cada mudança de direção.

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Henrique Szklo

Nascido em Belo Horizonte (MG), graduado em Publicidade e Propaganda pela FAAP e pós-graduado em Neuropsicologia pela FAMEESP, exerceu durante 18 anos a profissão de publicitário na área de criação, como redator e Diretor de Criação. Hoje é pesquisador da criatividade e do comportamento humano utilizando uma abordagem neuropsicológica do assunto. Além disso é escritor, professor, designer gráfico, palestrante e palpiteiro digital. É professor do MBI da UFSCar e Publisher do Portal Mentes Criativas. Tem 8 livros publicados (humor e criatividade), é palmeirense e não-negacionista.

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