Blog do Henrique Szklo

O instinto de sobrevivência desperta nosso animal interno

Não é um defeito nem um sinal de subdesenvolvimento. É uma questão de necessidade

Costa Concordia

Você é um dos três mil e poucos passageiros do Costa Concordia, aquele navio que naufragou em 2012 por uma barbeiragem de seu capitão. A única saída do ambiente em que você se encontra tem a largura de uma porta normal. O navio está virando e milhares de pessoas estão gritando. À sua frente, separando você da porta, ou seja, da salvação de sua vida, uma velhinha muito simpática e seu andador, caminhando numa velocidade próxima do zero. A tensão aumentando e a velhinha ali, perdendo a corrida para a tartaruga e chegando cabeça a cabeça com a lesma. Não vai demorar muito a sua angústia.

Numa fração de segundos, a sua lógica social e seu senso de civilidade sofrem uma pane momentânea, se transformando em um animal irracional, agressivo e despido de qualquer senso de empatia. Esse incrível Hulk decide que e o passo seguinte será atropelar a velhinha, pisar na cabeça dela e ainda se regozijar por estar fazendo justiça com as próprias mãos. No caso, com os próprios pés.

Lá fora, são e salvo, sua lógica e seu senso de civilidade despertarão do sono profundo e, apesar do alívio de ter se salvado, você será assaltado por um pesado sentimento de culpa, pensando na pobre velhinha. Mas não fique se punindo. O que você fez foi absolutamente normal. Do ponto de vista moral, totalmente execrável, imperdoável e monstruoso. Coisa de gente sem escrúpulos e sem coração. Porém, biologicamente, normal. Em sua defesa, você pode dizer estava apenas cumprindo ordens, que era uma determinação incontestável de seu cérebro. Você não tinha escolha. Era isso ou morrer. E isso, minha amiga, meu amigo, seu cérebro jamais aceitará.

Dinâmica furiosa

Peço encarecidamente que, ao ler este artigo, você utilize a lógica como companheira e não a emoção. Não se deixe levar pelo desconforto que uma nova ideia sempre nos proporciona. Antes de pisar na cabeça deste velhinho aqui, pare, analise, Pense 7 Minutos e você vai ver que tudo no universo é regido por um mesmo princípio, um mesmo conjunto de leis e regras, por um mesmo paradigma. Para simplificar, vamos chamar este cenário específico de “X-Tudo”. Tem gente que chama de Universo, tem gente que chama de Deus. Eu chamo de X-Tudo. Nós e nosso cérebro somos parte integrante deste paradigma, fazemos parte do X-Tudo e portanto funcionamos dentro de uma mesma lógica que ele. Acredito, portanto, que a melhor forma de compreender o funcionamento de nossa mente, e consequentemente da Criatividade, é buscando explicações que vão muito além da superfície. Precisamos compreender a origem do X-Tudo, o que rege o X-Tudo, como funciona o X-Tudo, para aí sim tirarmos conclusões mais objetivas e menos fantasiosas. E é isso que vou tentar fazer a partir de agora.

X-Tudo

Há 14 bilhões de anos, ocorreu, segundo os cientistas, o barulhento Big Bang. Se bem que já existem suposições que afetam a credibilidade do grande estouro, mas para efeito da nossa teoria não muda absolutamente nada. Então, falando em nada, antes era o Nada. E com o Big Bang surgiu o X-Tudo. O X-Tudo é formado por energia e movimento. Os átomos, mesmo os de uma pedra esquecida no fundo do mar há milhões de anos, estão em constante movimento, num paralelo curioso em relação ao movimento de estrelas e planetas. O X-Tudo contempla uma dinâmica furiosa onde polaridades são incansavelmente confrontadas, numa competição de forças, que provocam mudanças constantes e inevitáveis.

O Genésio é o dono do pedaço

Um dos mais fascinantes componentes do X-Tudo é a Vida, ou seja, aquele momento em que a Energia e o Movimento se unem à Consciência. E esta consciência tem nome: gene.

Os genes são plataformas biológicas que, agrupados, formam o DNA que sustenta a existência de um indivíduo e de sua espécie. Carrega os chamados códigos genéticos, ou seja, as características gerais da espécie e as particulares do indivíduo, alguns programas básicos de funcionamento que chamamos de instinto, e gatilhos futuros como nascimento de dentes, troca de dentição, puberdade, uma eventual calvície e/ou doença genética a se desenvolver no futuro.

Gene, entretanto, é um nome anglófono. No Brasil, o chamaremos de Genésio. E, não se engane, é o Genésio que está no controle de nossa vida. Ele é o Big Boss, o manda-chuva, o poderoso chefão. Um poder absoluto que só desaparece com a nossa morte. Morte esta, que ele tenta evitar a qualquer custo. Afinal, ele tem uma missão para nós.

PARÊNTESIS: Até onde se sabe, a vida só é possível com a presença de água. Daí a busca por água em outros planetas. Podemos então dizer que a água é o veículo dos Genésios.

A Diretiva Primária

Todo Genésio carrega em sua alma, se podemos assim dizer, o que eu chamo de Diretiva Primária:

SOBREVIVA, a qualquer custo

Precisamos perpetuar nossa espécie. Percebemos isso no dia-a-dia, nas situações em que nos deparamos com algum tipo de risco de nossa integridade física ou psicológica. Não pulamos pela janela, não atravessamos a rua sem olhar, tentamos não nos colocar em situações de potencial perigo, reagimos de forma irracional diante de uma tragédia pessoal iminente. É o caso do Costa Concordia relatado acima. E isso acontece porque o instinto de sobrevivência aciona uma reação automática, independente de nossa vontade e desconectada de nossa razão.

Nosso Genésio nos obriga a sobreviver a qualquer custo. Não é uma decisão individual, racional, fruto de reflexão e muito menos facultativa. É uma ordem invisível, uma programação como a de um computador. E não apenas no ser humano, mas em todos os animais e plantas. Sim, as plantas também carregam este comando genético. Quando deixamos uma pequena árvore num local escuro de uma sala, é possível que ela se curve na direção da luz. Pessoas que conversam com plantas garantem que elas florescem mais fortes e mais rapidamente. Mas isso não dá para provar. O que dá para provar é que um sistema de som que toca música clássica numa plantação de videiras deixa as uvas mais doces.

No caso dos animais em geral, o Genésio também determina a hierarquia das decisões relacionadas à sobrevivência:

1º. Primeiro eu!;

2º. Os herdeiros, pois são eles que carregarão o Genésio adiante e, por serem jovens, terão mais tempo e condições de disseminá-lo.

3º. Por último, a espécie como um todo (no caso exclusivo da raça humana, já que possui consciência do que representa o fim da própria espécie). Sempre que um grupo de pessoas se sente ameaçado, se unem pelo ideal de sobrevivência. Os inimigos esquecem suas diferenças e lutam lado a lado. Passado o perigo, porém, as desavenças retornam ao seu estado anterior. É a Diretiva Primária.

Comandos em ação

Toda a nossa vida está orientada pela necessidade inquestionável de sobreviver a qualquer custo. Nosso comportamento, pensamento, nossos desejos, é tudo resultado disso. E para o perfeito funcionamento da Diretiva Primária, animais e plantas são programados por comandos que já vem de fábrica, fazem parte de seu Sistema Operacional. Vou listar aqui aqueles que considero os mais importantes apenas aos animais, já que o alvo de nosso estudo somos nós, humanos.

Adapte-se ou morra

Não existe ambiente perfeito no X-Tudo. Animais e plantas nascem, crescem e morrem em situações tão díspares entre si, que não haveria outro modo de sobreviver a não ser desenvolvendo a capacidade de se adaptar. Não há ninguém ajudando, salvando os necessitados, alterando fenômenos apenas para garantir a sobrevivência de quem quer que seja. É cada um por si. Mesmo. A evolução das espécies é obviamente fruto desta premissa. Só os que se adaptam sobrevivem.

PARÊNTESIS 1: Quando dizem que um vírus sofreu uma mutação e ficou mais forte, me dá a sensação de que não é bem isso que acontece. Explico. Quando muita gente toma algum antibiótico, a imensa maioria daquela espécie de vírus não resiste e morre. Porém, uma pequena parcela não é afetada, pois sua constituição biológica de alguma maneira o faz imune ao princípio ativo da droga. A partir do momento em que a população do vírus suscetível ao antibiótico praticamente desaparece, os resistentes começam a se multiplicar, até que se transformam no que se convencionou chamar de mutação, mas que na verdade é apenas o efeito do processo natural de seletividade do X-Tudo.

Aprenda ou morra

Como diria o Rei Roberto, “é preciso saber viver” (Espero que ele não me processe por citá-lo). Quanto mais informações um animal acumular, mais ferramentas terá para enfrentar as dificuldades, as surpresas e as oportunidades. Estatisticamente, terá maiores chances de sobreviver. Portanto, a construção de um repertório vasto e sólido é condição de sobrevivência. É por isso que temos Curiosidade.

Compita ou morra

O X-Tudo funciona como um relógio, sem interferências externas. E a competição entre seus elementos é uma maneira muito eficiente de fazer a roda girar. Quanto melhor o indivíduo, mais fortalecida estará sua espécie. E quanto mais fortalecida, mais qualificada para sobreviver. Começa já na concepção, com milhões de espermatozoides lutando por um único óvulo. A competição serve para depurar o Genésio, garantindo que só o melhor sobreviva.

Por que nós torcemos para um time, para um personagem de filme, para um brasileiro que poderá ganhar um Nobel? Porque nós somos competitivos. Não há uma razão lógica para explicar este desejo. Quando estamos trabalhando, por mais que gostemos e admiremos nossos colegas, competimos com eles por cargos, salários ou apenas por reconhecimento. Queremos ser mais inteligentes, mais bonitos, mais modernos, mais justos. E as famosas listas, tipo top 10, porque fazem tanto sucesso? Que diferença faz a posição que se ocupa em qualquer atividade? Para o Genésio, muita. Ele quer vencer, sempre. É claro que depende de cada indivíduo a intensidade de seu espírito competitivo, mas todo mundo tem este impulso. Portanto, não é feio ser competitivo. É genético.

“O desejo de competir é um dos motores da evolução, pois estimula a luta entre as forças que geram o equilíbrio do X-Tudo”.

PARÊNTESIS: Outra prova de nossa tendência pela competição é o sucesso do que hoje se chama de gameficação: utilização dos princípios de um jogo na administração de funcionários, clientes e até nos estudos. Está provado que as pessoas se motivam quando, numa disputa qualquer, recebem algum tipo de prêmio. Mesmo que virtual.

Prolifere ou morra

Uma questão puramente matemática. Quanto mais indivíduos de uma mesma espécie, maiores serão as chances de o Genésio sobreviver e se perpetuar. Daí o sexo ser um impulso tão poderoso.

Viva em grupo ou morra

Este comando, em particular, não é compartilhado por todas as espécies. O Homo sapiens é um animal gregário, pois em algum momento de nossa evolução, o Genésio concluiu que seria fundamental para nossa sobrevivência que nos agrupássemos para ampliar nossa competência em matéria proteção, alimentação e adaptação. Este comando interfere de forma tão flagrante em nosso comportamento que merecerá um artigo só para ele mais adiante.

PARÊNTESIS 2: Esta característica tão humana, o egocentrismo, é, na verdade, um subproduto da Diretiva Primária. Com o surgimento da Razão, nosso cérebro passou a tirar conclusões sobre todas as coisas, das mais pertinentes às mais esdrúxulas. Por que cargas d’água precisamos nos sentir melhores que os outros? Porque o Genésio manda a gente competir o tempo todo para provar que somos os melhores de nossa espécie. Quando o comando COMPITA OU MORRA se desequilibra por alguma razão em nosso cérebro, passamos a nos dar uma importância exagerada enquanto, proporcionalmente, elevamos nosso desprezo pelos outros, nossos potenciais competidores.

Uma provocação

Como seria a sua vida se você não tivesse instinto de sobrevivência? Pense em situações cotidianas, um dia normal de trabalho, por exemplo, desde a hora de acordar até a de dormir.

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Henrique Szklo

Nascido em Belo Horizonte (MG), graduado em Publicidade e Propaganda pela FAAP e pós-graduado em Neuropsicologia pela FAMEESP, exerceu durante 18 anos a profissão de publicitário na área de criação, como redator e Diretor de Criação. Hoje é pesquisador da criatividade e do comportamento humano utilizando uma abordagem neuropsicológica do assunto. Além disso é escritor, professor, designer gráfico, palestrante e palpiteiro digital. É professor do MBI da UFSCar e Publisher do Portal Mentes Criativas. Tem 8 livros publicados (humor e criatividade), é palmeirense e não-negacionista.

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