Blog do Henrique Szklo

Createfulness, uma expressão inventada sem um propósito definido

Enquanto o objetivo do mindfulness é a busca pela paz interior, o processo criativo é de uma complexidade tal que tanto quanto necessitamos de paz, precisamos igualmente da guerra

O conceito de mindfulness virou moda no mundo. Não posso fazer nenhum julgamento mais profundo porque não tenho conhecimento suficiente. Mas o que pesquisei sobre mindfulness, ou atenção plena, me fez encontrar paralelos e perpendiculares com relação à minha visão pessoal do que seja o processo criativo. Me deparei com algumas reflexões que acenderam minhas sinapses e iniciaram um pensamento que se mostrou estimulante e divertido. O próprio nome “createfulness” é mais uma provocação do que qualquer outra coisa. Como o próprio Mindfulness apregoa, me desconectei do passado e do futuro para me deleitar com pensamentos que se não são relevantes, pelo menos são capazes de provocar um bom debate.

Pelo que entendi em minhas pesquisas, mindfulness, bem resumidamente, é a qualidade de estar presente e totalmente engajado com o que estamos fazendo no momento – livres de distrações ou julgamentos e ciente de nossos pensamentos e sentimentos sem nos envolver neles, basicamente obtido por meio de meditação.

Uma das diferenças que percebi imediatamente, é que, aparentemente, o mindfulness tem um processo único e a ação do indivíduo está pautada em um caminho exclusivo, sem alternativas para diferentes situações. Não sei se estou certo, mas o que posso garantir é que a criatividade se manifesta e necessita de comportamentos diferentes conforme cada situação, o que fez com que algumas características do mindfulness fossem, por alguns momentos congruentes e, as mesmas, em outros momentos, conflitantes com o devido processo criativo.

Outra diferença gritante é que enquanto o objetivo do mindfulness é a busca pela paz interior, o processo criativo é de uma complexidade tal que tanto quanto necessitamos de paz, precisamos igualmente da guerra.

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O criativo precisa da gangorra para impulsionar suas ideias

O mindfulness também envolve aceitação, o que significa que prestamos atenção aos nossos pensamentos e sentimentos sem julgá-los – sem acreditar, por exemplo, que há uma maneira “certa” ou “errada” de pensar ou sentir em um determinado momento. Neste aspecto, converge totalmente com a necessidade do processo criativo. A ausência de julgamento, principalmente no início do processo, é fundamental para o surgimento de ideias originais.

Engana-se quem pensa que seguindo algumas dicas superficiais ou apenas fazendo alguns exercícios, por melhores e eficientes que sejam, vai se tornar uma pessoa mais criativa ou equilibrada emocionalmente. Tanto no mindfulness quanto no processo criativo, os elementos acima fazem parte do desafio, mas o processo de transformação de ambos é muito mais profundo e demorado. A transformação de nosso cérebro não ocorre só porque assim decidimos, ou fazendo pequenos movimentos sem esforço. Estamos lidando com processos cognitivos, e que por isso dependem de prática, esforço, resiliência e foco.

Só uma coisa de cada vez

Falando em foco, o cérebro só consegue focar em uma coisa por vez. Não conseguimos prestar atenção em duas coisas ao mesmo tempo. O que ocorre é que olhar o celular e conversar com alguém ao mesmo tempo só é possível porque conectamos e desconectamos com um evento em fração de segundos. É tão rápido que não percebemos e consideramos que estamos conectando com duas ou mais coisas ao mesmo tempo.

E essa capacidade do cérebro de conectar e desconectar tão rápido, também gera um efeito muitas vezes perverso em nosso cotidiano. Ao se deixar o cérebro livre para pensar, ele viajará pelo universo sem rumo, recebendo influências diversas e mudando de direção a cada segundo. É como se tivéssemos várias vozes sussurrando assuntos completamente diferentes uns dos outros. Isso não é necessariamente ruim. Há momentos em que precisamos mesmo descansar a mente e deixá-la livre. Porém, para a realização de qualquer tarefa relevante, precisamos calar as vozes e escolher apenas uma para nos guiar. Isso é foco. Escolhemos uma direção e por ela seguiremos até que, por vontade própria ou não, as outras vozes consigam retornar.

Ao se deixar o cérebro livre para pensar, ele viajará pelo universo sem rumo, recebendo influências diversas e mudando de direção a cada segundo.

O mindfulness se utiliza de meditação para atingir esse estado. Já o processo criativo não possui ferramentas para tanto. O foco é indispensável, mas cada um precisa encontrar uma maneira de exercitar sua capacidade de concentração.

O pensamento criativo não ocorre sem um esforço de vontade. Você precisa querer pensar criativamente. Daí o cansaço, a resistência e dificuldade em produzir ideias verdadeiramente originais.

Foco, controle, flexibilidade, paciência, perseverança. Estes são apenas algumas exigências para o adequado trabalho criativo. Desenvolver ideias não é um processo aleatório. Não é frouxo nem subjetivo. Muito trabalho mental envolvido. Quanto mais estruturada estiver sua mente, mais e melhores ideias surgirão em sua jornada em busca da grande ideia. Daí a necessidade de conhecer e aplicar a Gestão do Pensamento.

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Foco, foco, foco

Mindfulness prega que torna a pessoa mais criativa. Tenho minhas dúvidas

O processo criativo não se manifesta em ambientes excluídos de tensão e ansiedade. Pelo menos não aquela criatividade mais evidente e transformadora.

Criatividade é uma coisa só. Desde o prato que você cria com o que encontra na geladeira até a criação do iPhone. Uma coisa só, mas que eu divido em duas: Criatividade de ruptura e Criatividade incremental. Incremental é essa mais corriqueira, relacionada a solução de problemas que não exijam um confronto violento com suas crenças. Que, na verdade, estão mais em conformidade com uma mente equilibrada. Talvez nessa, o mindfulness faça seu trabalho com eficiência. Já a Criatividade de Ruptura exige emoções intensas e desespero.

Criatividade é uma coisa só. Desde o prato que você cria com o que encontra na geladeira até a criação do iPhone.

Ao contrário do mindfulness, o processo criativo definha com a ausência de estresse, ansiedade e emoções estáveis. Engana-se quem acredita que a mente criativa é harmônica e equilibrada. É a tempestade de emoções que faz com que as grandes ideias floresçam. Não estou me referindo, é claro, as ideias criativas de espectro baixo, como encontrar um jeito de descascar batatas sem faca, pois essas estão mais de acordo com uma mente tranquila. Mas quando o gol é subverter a ordem das coisas, destruir o senso comum ou trazer ideias que transformam a vida das pessoas de forma profunda, aí um pouco, ou um muito, de loucura só vai ajudar.

Criatividade é coisa de louco?

De acordo com um estudo com mais de um milhão de pessoas realizado pelo Instituto Karoliska da Suécia, uma das maiores faculdades de medicina da Europa, a criatividade é muitas vezes resposta a uma doença mental. Os grandes criadores da história foram, declaradamente, pessoas perturbadas, para dizer o mínimo. Só para dar uns exemplos, temos a escritora Virginia Woolf, o autor de contos de fadas Hans Christian Andersen, o escritor Ernest Hemingway, o pintor Van Gogh e o pintor brasileiro Arthur Bispo do Rosário, diagnosticado como esquizofrênico-paranóico, passou quase sua vida inteira internado em instituições para deficientes mentais. Me permita tentar uma explicação para tal fenômeno.

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Van Gogh, o legítimo maluco beleza

Criar algo muito distante do senso comum gera um desconforto imenso. Não é qualquer um que suporta o peso de correr o risco de ser execrado por seus iguais. Existe, portanto, um forte componente psicológico em relação a esse processo. É provavelmente por isso que os doentes mentais tem mais facilidade. Dor é o que eles sentem em seu cotidiano. Ao contrário das pessoas equilibradas, porque normais não existem, o alívio de sua alma atormentada está em colocar pra fora aquilo que os aflige de forma tão contundente. São viscerais e precisam ser. É um exorcismo.

Eu só quero é ser feliz

Criar é a arte da insatisfação, do questionamento, da necessidade de mudança de status. Se estamos felizes, sob esta ótica, teremos imensa dificuldade propor novos caminhos. Vou tentar explicar essa também. Segundo pesquisa informal de Kathy Caprino, escritora, coach e colaboradora sênior da revista Forbes, a felicidade está em primeiro lugar na lista do que as pessoas mais desejam na vida. Então suponhamos que eu esteja pleno, feliz, realizado. Gerar ideias abusivamente originais gera insegurança, instabilidade emocional e ansiedade. Por que diabos, então, eu vou arriscar alterar meu estado de espírito só para ter uma boa ideia? Qual é o propósito de romper com as crenças arraigadas em nossa alma em nome de uma necessidade subjetiva? Se você tem uma vida boa e confortável, por que ir para a guerra?

O processo criativo é resultado de um samba-do-criolo-doido emocional. Exemplo, a própria Apple e seu antigo presidente totalmente alucinado e aloprado Steve Jobs. Todos já ouvimos falar de seu temperamento explosivo, sua ferocidade emocional e sua obsessão quase doentia por criar uma marca absolutamente inovadora.

Não é preciso ser louco para ser criativo. Mas que ajuda, ajuda.

Enquanto este doido varrido era o comandante da empresa, nos presentava quase mensalmente com aparelhos que nunca tínhamos ouvido falar, mas que em pouco tempo transformariam o comportamento de toda a humanidade. Quando esta alma perturbada se foi – com um câncer tão agressivo quanto ele – a Apple simplesmente parou de nos surpreender. Totalmente. Hoje é uma das empresas mais valiosas do mundo, mas deixou de transformar este mesmo mundo. Provavelmente porque os atuais administradores estão felizes com o faturamento e não querem se estressar desnecessariamente buscando novas ideias, o que eu já disse, não acontece com mentes felizes e equilibradas emocionalmente. A Apple se transformou em uma Samsung com melhor design.

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Steve Jobs e a obssessão pela inovação disruptiva

Já tentei meditar por quase um ano, mas não fui bem-sucedido. A desculpa que encontrei foi muito boa e pertinente. Tenho uma necessidade atávica de tentar manter o controle sobre minha vida através de racionalizações e reflexões constantes. A meditação, em seu propósito de esvaziar a cabeça e se livrar de influências mundanas, teoricamente me deixariam nu intelectualmente, provocando medo e ansiedade. Não estou dizendo que aconteceria isso, só que minha reação instintiva foi achar que sim, inviabilizando o procedimento como um todo. Não sei. Pode ser isso. Mas mesmo não conseguindo, acredito que a meditação é capaz de trazer imensos benefícios, sendo responsável, inclusive, por transformações físicas em nosso cérebro, invalidando totalmente o ditado que afirma que cabeça vazia é a oficina do diabo.


Existe um questionário de 15 itens que os pesquisadores usam para medir a atenção plena, chamado de Mindful Attention Awareness Score (MAAS) http://www.mindfulness-extended.nl/content3/wp-content/uploads/2013/07/MAAS-EN.pdf, que você pode usar para ver onde está – quanto maior a pontuação, maior a sua capacidade de ficar atento.


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Henrique Szklo

Nascido em Belo Horizonte (MG), graduado em Publicidade e Propaganda pela FAAP e pós-graduado em Neuropsicologia pela FAMEESP, exerceu durante 18 anos a profissão de publicitário na área de criação, como redator e Diretor de Criação. Hoje é pesquisador da criatividade e do comportamento humano utilizando uma abordagem neuropsicológica do assunto. Além disso é escritor, professor, designer gráfico, palestrante e palpiteiro digital. É professor do MBI da UFSCar e Publisher do Portal Mentes Criativas. Tem 8 livros publicados (humor e criatividade), é palmeirense e não-negacionista.

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