Importância do ambiente no processo criativo (Parte 2)
Segunda parte do artigo sobre como somos influenciados pelos ambientes que frequentamos
Leia a primeira parte deste artigo
A Criatividade é como uma planta: cresce mais e mais forte em ambientes favoráveis. É claro que existem plantas que possuem maior resistência às intempéries, que nascem no deserto. Assim também são as ideias. Quem quer realizar um trabalho criativo precisa ter isso em mente. O ambiente é um elemento preponderante no processo criativo. Seja ele o ambiente físico ou o social.
Não precisamos de muito para sofrermos um bloqueio. Não precisamos de muito para desistir de criar. Não precisamos de muito para decidir que não vale a pena quebrar padrões, que não vale a pena sermos subversivos. Por isso, bastam detalhes para derrubar um ambiente. É preciso arar a terra, colocar a semente com cuidado, regar, colocar nutrientes, proteger das intempéries e colher no momento certo. Sim, uma ideia tem tudo a ver com uma planta. Os indutores¹ são as sementes.
Mas aí você pergunta: não é verdade que muitas ideias importantes surgiram em momentos desesperadores, estressantes, desconfortáveis? E eu respondo: é verdade. Porém, é preciso lembrar que existem dois momentos diferentes em que o processo criativo se manifesta em nosso cérebro: quando estamos em perigo e quando queremos. O primeiro associado à Diretiva Primária², portanto, atávico. E o segundo, em função de sua natureza, necessitando da força da razão e do raciocínio para se estabelecer.
E lembre-se que para o cérebro, criar sem precisar, ou seja, sem estar solucionando um problema urgente de sobrevivência, não é e nem nunca será uma prioridade. E é sobre este cenário que me refiro quando falo da importância do ambiente. Do estímulo constante e necessário para se manter o espírito criativo. Porque se deixarmos no automático, nosso cérebro certamente vai optar pela zona de conforto/familiaridade que é não criar nada, apenas manter o estado das coisas como estão.

Joseph Campbell e o Lugar Sagrado
Joseph Campbell, o grande mitólogo estadunidense, que se você não conhece, deveria conhecer, dizia muitas coisas que convergem com o meu pensamento. Ele cunhou a frase que muitos admiram e utilizam como inspiração para suas vidas, pessoal e profissional: Follow your bliss. Numa tradução não literal, ele quis dizer que as pessoas devem descobrir para o que é que elas estão aqui. Qual é a sua verdadeira vocação. Sua essência. O que vai fazer a sua vida valer a pena. Não apenas os padrões que você adquiriu por imitação e aceitou como seus. Não. Campbell nos convida a refletir sobre nossa verdadeira “felicidade”. E a partir do momento em que você descobrir qual é a sua, qual é sua bliss, é só botar sua energia e foco sobre ela e ir em frente. Mesmo que seja uma coisa fora de padrão, que os outros não compreendam, ou que você mesmo não compreenda direito, mas saiba no fundo de sua alma que é aquilo que você quer de verdade. Isso vai fazer de você uma pessoa mais realizada. Mais equilibrada. Vai promover harmonia, sucesso (qualquer que seja o significado desta palavra para você). “Siga sua felicidade e portas se abrirão onde você nem sabia que havia portas”, dizia o mestre Campbell.
É como se todo mundo pegasse o mesmo trem sem nem ao menos saber a razão. Simplesmente o trem passa, abre suas portas e você entra. Mas por quê? Só porque todo mundo está dentro do trem? E daí? Isso por si só significa que estão todos “certos”? Fazendo o que é melhor para eles? Ou estão apenas seguindo seus instintos primários de seguir o rebanho, numa evidente manifestação de Aschismo³? A maioria das pessoas, ao longo de boa parte de suas vidas, desejam estar no trem, na cabine de primeira classe, sentadas na janelinha. Mesmo sem saber qual é sua real motivação, sem saber qual é o destino do trem, desejando ardentemente esse status quo. Tanto que é muito comum ter inveja de quem o alcança. E nem sabe-se porque querer aquilo. Só se percebe que toda essa situação as deixa muito infelizes.

É interessante sermos um pouco mais consciente. Quando passa algum trem, é bom se informar direitinho: onde ele vai, que paradas vai fazer, seus horários, ou seja, entender se aquele trem específico nos serve de fato ou é apenas mais um comboio que devemos deixar partir e esperar por aquele que nos levará onde queremos de fato ir.
Procure seu Ungebunden
Para que a gente possa follow our bliss, Campbell sugere que é importante criar o que ele chamou de Lugar Sagrado e que eu chamo de Ungebunden, aquele lugar especial em que você possa ser você, onde você se sinta à vontade para realizar seus desejos e sonhos, onde você não tenha medo de tentar, não tenha medo de errar, não tenha vergonha. Onde você se sinta inteiro, confortável, confiante. É fundamental encontrar este lugar, que pode ser físico (um quarto, um escritório, um banheiro) ou conceitual (passeando com o cachorro, nadando, dirigindo numa estrada).

Uma questão de idade
A química ideal num ambiente que se proponha criativo é a mistura de indivíduos jovens com outros mais experientes. Só experientes ou só jovens num ambiente profissional provavelmente irá reduzir o potencial criativo e o resultado do trabalho em função das competências e deficiências de cada grupo.

Os jovens têm menos padrões e por isso mesmo têm mais ideias inusitadas e não convencionais, mas esse cenário é prejudicado por seu repertório reduzido, falta de conhecimento histórico e experiência no trato com a criatividade.
Já os mais experientes têm mais e mais cristalizados padrões, portanto sua capacidade de produzir ideias genuinamente novas está prejudicada. Porém, seu extenso repertório, familiaridade com o processo criativo e conhecimento de todos os atalhos para se chegar a uma ideia o auxilia na solução de problemas.
Unindo estes dois grupos, teremos o melhor do melhor. Padrões, capacidade de criar e repertório em equilíbrio. Sem contar a competição, que é uma das principais molas propulsoras da criatividade.
Indutor¹ – É a semente do pensamento criativo. Quando começamos a criar, as possibilidades são infinitas, O indutor é aquele que diminui o leque para que o cérebro consiga se organizar, afinal o cérebro só consegue pensar em uma coisa por vez. Precisamos de um primeiro passo que desencadeie todo o processo criativo. Um elemento de qualquer natureza que seja capaz de estimular e induzir o cérebro a seguir um caminho específico, colaborando decisivamente para a criação de novas ideias.
Diretiva Primária² – Plantas e animais nascem, crescem e morrem sob uma lei invisível e inquestionável estabelecida por seu gene: “Sobreviva a qualquer custo!”, ou seja, a Diretiva Primária. E para que ela seja cumprida a contento, vários comandos são acionados: prolifere, compita, alimente-se, adapte-se e, no caso de algumas espécies como o Homo sapiens, viva em grupo. Mesmo sem percebermos, todo o nosso comportamento é orientado para o cumprimento da Diretiva Primária e seus comandos.
Aschismo³ – Tendência natural dos seres humanos de seguir a opinião da maioria de seu grupo social ou do grupo ao qual queira pertencer, de forma consciente ou inconsciente. Funciona também como aval para as opiniões que já constituídas.